quarta-feira, 20 de maio de 2015

O POBRE NO HORIZONTE DA ÉTICA COMUNITÁRIA DE ENRIQUE DUSSEL


 

O POBRE NO HORIZONTE DA ÉTICA COMUNITÁRIA DE ENRIQUE DUSSEL
 

INTRODUÇÃO

 
A realidade social desperta a reflexão sobre o modo em que as pessoas se organizam e convivem. Desde os primeiros filósofos debateu-se e refletiu-se sobre as formas de organização social. Esta pesquisa visa compreender e apresentar o que é o pobre na ética comunitária para o filósofo contemporâneo latino-americano Enrique Dussel, pensamento este que é vigente na atualidade.
Em nossa sociedade percebemos que o pobre, o oprimido não tem o seu lugar merecido, sendo muitas vezes excluído e desprezado. Esta pesquisa torna-se relevante, pois pretende, a partir do pensamento de Dussel, despertar-nos para a consciência de que existem pessoas abandonadas, excluídas, e que, por isso, urgem práticas de libertação. É uma pesquisa que sem dúvida, desestrutura-nos de nossa comodidade e inércia frente a realidade sofrida de tantos irmãos. A realidade sofrida e gritante do pobre nos interpela e nos inquieta, isto porque é o próprio Cristo que está presente no pobre.
 

A LIBERTAÇÃO DO POBRE NA ÉTICA DE ENRIQUE DUSSEL

Para Dussel a libertação do pobre é o ponto central da metafísica, que é a “passagem da ontologia ao transontológico, aquilo que situa além do ser, na realidade” (DUSSEL apud REGINA, 1992, p. 89). E a analogia tradicional havia sido colocada como uma fenomenologia, que é o “lógos pensamento a cerca daquilo que aparece”. (DUSSEL apud REGINA, 1992, p.89). A liberação acontece a partir da afirmação do outro real, existente e histórico.

 
Chamamos este momento positivo trans-ontológico (meta-físico) de partida ou ponto ativo de início da negação da negação: o analético. Queremos indicar com ana- (do grego) um “ mais além” ou transcendental ao ser. Esse logós (aná-lógos), discurso que se origina a partir da transcendência do sistema, contém a originalidade da experiência hebreu-cristã. Se “no princípio Deus criou” (Gn 1,1), é porque o outro é anterior ao próprio princípio do cosmos, do sistema, da “carne”. A “anterioridade” metafísica do outro (que cria, se revela) tem também seu momento histórico, político, erótico. (DUSSEL, 1987, p. 266).
 
Somente as pessoas que tem consciência ética são capazes de ouvir a voz do pobre, o pobre que grita, que clama que perturba o mundo com o “tenho fome” de Jesus, que também foi pobre. A percepção a respeito dos marginalizados e sofridos que me interpelam é portanto, uma exigência ética. Negligenciar ou prescindir do sofrimento dos outros é negar a voz de Deus e o clamor divino presente no outro. É necessário fazer uma distinção entre os fetiches e o Deus dos pobres. O pobre é a revelação de Deus, traz presente em si a marca de Deus. Deus manifesta-se através do pobre.
 
A voz, o clamor, a palavra do outro (dabár, em hebraico, o Verbo) irrompe em meu mundo perturbando-o; “Tenho fome!”. Do ouvir a voz do outro (ex auditu diz Trento) é que se dá a revelação de Deus. Mas Deus só pode se revelar pelo que é o outro, e não pelo sistema de pecado, não pelo “mundo”. Deus pode revelar-se essencialmente “por” e “através” do pobre. O pobre é o “lugar” da epifania de Deus (mais ainda que se revelou em Jesus, pobre, como Charles de Foucauld gosta de chamá-lo). Ouvir a voz do pobre aqui e agora  é condição de possibilidade da atualidade da revelação de Deus. A Bíblia pode ser interpretada na tradição viva da comunidade cristã particular (Puebla 373), quando é vista a partir do pobre e na sua perspectiva. Para a Teologia da Libertação, a questaão não é a possível irracionalidade de uma revelação positiva. A questão não é uma impossibilidade de Deus se revelar ao que é rico, ao que domina o pobre, ao que não se encontra na posição concreta e histórica que lhe permita ouvir a palavra de Deus, porque não tam “consiência ética”. (DUSSEL, 1987, p. 242-243)
 
A libertação só acontece quando se ouve a voz gritante do pobre. É preciso assumir, tomar sobre si este grito, como denota Dussel, este grito que nos perturba, nos inquieta a consciência. É necessária uma responsabilidade, que para Dussel “tem relação com responder por uma pessoa e não com responder a uma pergunta. Responsabilidade é (...) encarregar-se do pobre que se encontra na exterioridade diante do sistema” (REGINA, 1992, p. 90).
O que ouve a voz do pobre torna-se um aliado de Deus, que realiza a sua obra, a práxis boa, que acontece então através de uma mudança radical de vida. Esta conscientização é sem dúvida um novo nascimento, isto é, um sair-se de si, para encontrar o outro. Para acontecer a libertação é preciso morrer o egoísmo e o orgulho da pessoa velha e nascer a pessoa nova, com um  novo olhar compassivo  e atento para a realidade. A libertação é como denota Regina “é igualmente agonia do antigo para o fecundo nascimento, do novo, do justo” (1992, p. 90).
Para Enrique Dussel a libertação é o movimento metafísico ou transontológico, que está além do mundo. Com isso, é possível ver a exterioridade do outro, sua alteridade. A libertação não é somente negar a dialética da negação, não é uma simples negação do sistema.
A dominação, a alienação cobriu o rosto do pobre, como se fosse uma máscara fabricada pelo sistema. Para haver o desmascaramento e o aparecimento deste rosto é necessário mudar as instituições, a totalidade sistematizada. É preciso haver uma desaproximação do dominador do sistema, fazendo com que a pessoa se revele.
Segundo Dussel, para haver é urgente que se esteja junto, consolidar-se com o pobre, que é maltratado, que passa fome, que cheira mal, desprezado e humilhado, ridicularizado e abandonado. Ver este pobre não no sentido de oprimido, porque ele representa uma pessoa e não uma coisa, ou instrumento.
 
O “ethos” do libertador, para Dussel, estrutura-se todo em torno de um eixo essencial, que não é compaixão, nem simpatia, mas “comiseração”. Para Dussel descobrir o outro como outro é por-se junto a (com) sua misíra (a posição do outro, da pessoa que foi reduzida a um instrumento no sistema. A comiseração como a pulsão alternativa ou de justiça metafísica, é o amor ao outro como outro, por sua exterioridade, amor ao oprimido, mas não em sua situação de oprimido e, sim como lugar de esterioridade. Para Dussel, desde a comiseração se organiza o “ethos” do libertador. Dele depende a justiça libertadora, a obediência, fiel, confiante na palavra do outro; a esperança paciente e ativa da libertação do oprimido. Por ser ativa, é esperança corajosa, forte, arrojadora, que não teme dar a via no empreendimento. (REGINA, 1992, p. 91-92).
 
Deste modo fica exposto o pensamento de Enrique Dussel referente à ética comunitária como um caminho para a libertação do pobre. A consciência ética exige portanto nossa responsabilidade e o compromisso. Assim se estará construindo uma comunidade justa e solidária.
 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 
DUSSEL, E. Ética comunitária. 2. Ed. Tradução de Jaime Clasen. Petrópolis: Vozes, 1987.
 
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Edição pastoral. Tradução de Ivo Storniolo e Euclides Balancin. Paulus e Sociedade Bíblic Católica Internacional. 1990.
 
REGINA, J. E. M. Filosofia latino-americana e filosofia da libertação: a proposta de Enrique Dussel em relação às posições de Augusto Salazar Bondy e de Leopoldo Zea. Campo Grande: CEFIL, 1992.
 
ZANGHELINI, Laércio J. Um filosofar libertador para a educação: A perspectiva de Dussel sobre a relação professor-aluno. Dissertação apresentada como exigênica parcial para obtenção do título de Mestre. Blumenau. Universidade Regional de Blumenau, 2001.
 
ZIMMMERMANN, R. América Latina: O não ser.  2.ed. Petrópolis: Vozes, 1787.
 

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