sexta-feira, 24 de maio de 2013

VILA RICA DE OURO PRETO POR EDUARDO GALEANO


VILA RICA DE OURO PRETO: A POTOSÍ DE OURO
 
"A febre de ouro, que continua impondo a morte e a escravidão aos indígenas da
Amazônia, não é nova no Brasil; muito menos seus estragos.
Durante dois séculos a partir do descobrimento, o solo do Brasil tinha negado os
metais, tenazmente, a seus proprietários portugueses. A exploração da madeira, o
pau-brasil, cobriu o primeiro período de colonização das costas, e logo se organizaram
grandes plantações de açúcar no Nordeste. Porém, ao contrário da América espanhola, o
Brasil parecia vazio de ouro e prata. Os portugueses não tinham encontrado aqui civilizações
indígenas de alto nível de desenvolvimento e organização, senão tribos selvagens e
dispersas. Os aborígenes desconheciam os metais, foram os portugueses que tiveram de
descobrir, por sua própria conta, os locais onde se depositavam os aluviões de ouro no vasto
território que se ia abrindo, através da derrota e do extermínio dos indígenas, à passagem
da conquista.
Os bandeirantes da região de São Paulo atravessaram a vasta zona entre a Serra da
Mantiqueira e a cabeceira do rio São Francisco, e notaram que os leitos e os bancos de
vários rios e riachos que por ali corriam continham traços de ouro aluvional em pequenas
quantidades visíveis. A ação milenar das chuvas tinha roído os filões de ouro das rochas e
os havia depositado nos rios, no fundo dos vales e nas depressões das montanhas. Sob as
camadas de areia, terra ou argila, o pedregoso subsolo oferecia pepitas de ouro, fácil de
extrair do cascalho de quartzo; os métodos de extração tornaram-se mais complicados na
medida em que se foram esgotando os depósitos mais superficiais. A região de Minas
Gerais entrou assim, impetuosamente, na história: a maior quantidade de ouro então
descoberta no mundo foi extraída no menor espaço de tempo.
“Aqui o ouro era mato”, diz, agora, o mendigo, e seu olhar passeia pelas torres das
igrejas. “Tinha ouro nas calçadas, crescia como pasto.” Agora ele tem 75 anos e se considera
uma tradição de Mariana (Ribeirão do Carmo), a pequena cidade mineira próxima a
Ouro Preto, que se conserva, como Ouro Preto, paralisada no tempo. “A morte é certa, a
hora incerta. Cada um tem seu tempo marcado”, me diz o mendigo. Cospe sobre a escada
de pedra e sacode a cabeça: “Não sabiam onde pôr o dinheiro e por isso faziam uma igreja
ao lado da outra.”
Em outros tempos, esta comarca era a mais importante do Brasil. Agora... “Agora
não - me diz o velho.- Agora isto não tem vida nenhuma. Aqui não tem jovens. Os jovens
se vão.” Caminha descalço, a meu lado, em passos lentos sob o tíbio sol da tarde: “Vê? aí,
na frente da igreja, estão o sol e a lua. Isso significa que os escravos trabalhavam dia e noite.
Este templo foi feito pelos negros; aquele, pelos brancos. E aquela é a casa do monsenhor
Alípio, que morreu aos 99 anos justos.”

Galeano, Eduardo
As Veias Abertas da América Latina: tradução de Galeano de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra,(estudos latino-americano, v.12)Do original em espanhol: Las venas abiertas da America Latina
 
 

 

 
 
 

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