sexta-feira, 24 de maio de 2013

O ASSASSINATO DA TERRA NO NORDESTE DO BRASIL POR EDUARDO GALEANO

 
Entretanto, até meados do século XVII, o Brasil foi o maior produtor mundial de açúcar.
Simultaneamente, a colônia portuguesa da América era o principal mercado de escravos:
a mão-de-obra indígena, muito escassa, extinguia-se rapidamente nos trabalhos forçados,
e o açúcar exigia grandes contingentes de mão-de-obra para limpar e preparar os terrenos,
plantar, colher e transportar a cana e, por fim, moê-la e purgá-la. A sociedade colonial
brasileira, subproduto do açúcar, floresceu na Bahia e Pernambuco, até que o descobrimento
do ouro transferiu seu núcleo central para Minas Gerais.
As terras foram cedidas, pela Coroa portuguesa, em usufruto, aos primeiros grandes
senhores de terra do Brasil. A façanha da conquista tinha de correr paralelamente à
organização da produção. Somente doze “capitães” receberam, por carta de doação, todo
 
o imenso território colonial virgem, para explorá-lo a serviço do monarca.
 
O açúcar arrasou o Nordeste. A faixa úmida do litoral, bem regada por chuvas, tinha
um solo de grande fertilidade, muito rico em húmus e sais minerais, coberto por matas
tropicais da Bahia até o Ceará. Esta região de matas tropicais converteu-se, como diz Josué
de Castro, em região de savanas. Naturalmente nascida para produzir alimentos, passou
 
a ser uma região de fome. Onde tudo germinava com exuberante vigor, o latifúndio
açucareiro, destrutivo e avassalador, deixou rochas estéreis, solos lavados, terras erodidas.
Fizeram-se, a princípio, plantações de laranjas e mangas, que foram abandonadas e se
reduziram a pequenas hortas que rodeavam a casa do dono do engenho, exclusivamente
reservadas para a família do plantador branco6. Os incêndios que abriam terras aos canaviais
 
devastaram a floresta e com ela a fauna; desapareceram os cervos, os javalis, as
toupeiras, os coelhos, as pacas e os tatus. O tapete vegetal, a flora e a fauna foram
sacrificadas, nos altares da monocultura, à cana-de-açúcar. A produção extensiva esgotou
rapidamente os solos.
 
Em fins do século XVI, o Brasil tinha não menos de 120 engenhos, que somavam um
capital próximo a dois milhões de libras, mas seus donos, que possuíam as melhores
terras, não cultivavam alimentos. Importavam-nos, como importavam uma vasta gama
de artigos de luxo, que chegavam, do ultramar, junto com os escravos e bolsas de sal. A
abundância e a prosperidade eram, como de costume, simétricas à miséria da maioria da
população, que vivia em estado crônico de subnutrição. A criação de gado foi relegada aos
desertos do interior, longe da faixa úmida da costa: o sertão que, com duas cabeças de gado
por quilômetro quadrado, proporcionava (e ainda proporciona) a carne dura e sem sabor,
sempre escassa.
 
O Nordeste brasileiro é, na atualidade, uma das regiões mais subdesenvolvidas do hemisfério
ocidental. Gigantesco campo de concentração para trinta milhões de pessoas, padece hoje a herança
 
da monocultura do açúcar. De suas terras nasceu o negócio mais lucrativo da economia agrícola
colonial na América Latina. Atualmente, menos da quinta parte da zona úmida de
 
Pernambuco está dedicada à cultura da cana-de-açúcar, e o resto não se usa para nada:os
 
donos dos grandes engenhos centrais, que são os maiores plantadores de cana, dão-se a
este luxo do desperdício, mantendo improdutivos seus vastos latifúndios. Não é nas zonas
áridas e semi-áridas do interior nordestino onde as pessoas comem pior, como equivocadamente
se crê. O sertão, deserto de pedra e arbustos ralos, vegetação escassa, padece fomes
periódicas: o sol inclemente da seca abate-se sobre a terra e a reduz a uma paisagem lunar;
obriga aos homens o êxodo e semeia cruzes às margens dos caminhos. Porém é no litoral
úmido onde se padece a fome endêmica. Ali onde mais opulenta é a opulência, mais
miserável se forma, terra de contradições, a miséria; a região eleita pela natureza para
produzir todos os alimentos, nega-os todos: a faixa costeira ainda conhecida, ironia do
vocabulário, como zona da mata, em homenagem ao passado remoto e aos míseros vestígios
da floresta sobrevivente aos séculos do açúcar.
 

 

Galeano, Eduardo

As Veias Abertas da América Latina: tradução de Galeano de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra,(estudos latino-americano, v.12) Do original em espanhol: Las venas abiertas da America Latina

 
 
 
 
 
 
    

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