As comunidades foram formadas por migrantes atraídos para a Amazônia principalmente entre a segunda metade do século XIX e o primeiro quarto do século XX para trabalhar na extração do látex das seringueiras da Amazônia. Nesse período, a borracha se tornou uma importante matéria-prima para o desenvolvimento da indústria automobilística, o que fez com que sua produção fosse fortemente estimulada. A extração do látex na Amazônia encontrou como fator limitante a escassez de mão-de-obra e a resistência indígena em defesa de seu território e de sua liberdade. Por isso, milhares de trabalhadores, sobretudo oriundos do nordeste brasileiro, foram atraídos para a Amazônia entre 1872 e 1920, período conhecido como Primeiro Ciclo de Borracha e, em um segundo momento, durante a Segunda Guerra Mundial, o dito Segundo Ciclo.
Com. Vila Carneiro - Barreirinha AM |
As condições sob as quais os migrantes trabalhavam na Amazônia eram quase sempre desvantajosas. Geralmente começava-se a trabalhar endividado, já que as despesas de viagens, com obtenção de instrumentos de trabalho e instalação eram arcadas pelos trabalhadores. Esses também pagavam preços elevados por todos os mantimentos necessários à sobrevivência na floresta, instrumentos de trabalho e até mesmo pela utilização das estradas que davam acesso aos seringais. Os pagamentos eram efetuados com a própria seringa extraída, pela qual os patrões geralmente pagavam um preço muito baixo. Assim, os trabalhadores dificilmente conseguiam acumular saldos positivos perante o trabalho na extração do látex, mantendo-se sempre endividados e dependentes dos patrões.
O fluxo migratório do qual essas comunidades foi fruto guarda outra peculiaridade importante para a definição de sua identidade. A maioria dos migrantes que foram para a Amazônia para trabalhar nos seringais eram homens que deixaram suas famílias no Nordeste. Sem alternativas para voltar a suas regiões de origem, grande parte dos migrantes foram forçados a permanecer muito mais tempo do que o esperado na Amazônia. Com o tempo, esses migrantes se miscigenaram com as populações indígenas que habitavam as localidades ocupadas originalmente, formando o povo caboclo, que possui ainda hoje um modo de vida peculiar e um profundo conhecimento sobre a floresta.
A perda de competitividade da borracha brasileira no mercado internacional a partir de 1912 fez com que a grande maioria das empresas exportadoras de borracha encerrassem suas atividades. Com isso, muitos dos trabalhadores e trabalhadoras dos seringais não tiveram condições de voltar às suas regiões de origem ou preferiram permanecer na floresta, isolados de outras concentrações humanas. Sem muitos recursos tecnológicos, essas pessoas aprenderam a viver em harmonia com a floresta, utilizando seu potencial natural de forma planejada e controlada.
A partir de meados do século XX, sucessivos governos passaram a estimular intensivamente a ocupação da Amazônia. Ganham destaque nesse sentido, as estratégias adotadas pelos governos militares a fim de “ocupar para não perder”, que contribuíram para que grandes fluxos migratórios ocorressem de forma totalmente desordenada. As políticas desses governos eram pautadas em uma visão da região como um grande vazio demográfico, ignorando a existência e a peculiaridade do modo de vida das populações locais e do bioma amazônico. Estimulou-se, por exemplo, atividades agrícolas e pecuárias extensivas e a extração descontrolada de madeira e minérios, que resultaram em uma intensa devastação da cobertura florestal da região e expulsão de muitas pessoas das terras tradicionalmente ocupadas por elas.
As últimas décadas foram marcadas pela emergência de movimentos sociais ligados a essas populações florestais historicamente marginalizadas que ganharam grande projeção. Uma das figuras mais conhecidas e que melhor representa a emergência desses movimentos é Chico Mendes, liderança do movimento dos seringueiros que ganhou projeção internacional ao lutar pelo direito legítimo dos herdeiros dos ditos ciclos da borracha de usufruírem os territórios tradicionalmente ocupados e que acabou assassinado. Como resultado dessas lutas, diversas políticas voltadas a atender as demandas dos povos da floresta foram criadas, como, por exemplo, a criação do marco institucional das Reservas Extrativistas.
Apesar de importantes conquistas, atualmente, essas populações ainda sofrem as consequências de políticas implementadas no passado e de outras ações governamentais voltadas para as regiões Amazônicas que pouco levam em conta sua existência e seus anseios. Nesse sentido, o comportamento do governo brasileiro e de outros agentes que influem na realidade da região, é baseado em uma visão muito parecida da que os próprios colonizadores portugueses do século XVI tinham do Brasil como um todo. Para eles, a Amazônia é homogênea, vazia, atrasada, sendo que o desenvolvimento deve ser levado a região baseado na perspectiva dos que a olham de fora. Essa visão colonizadora a respeito da região tem gerado grandes problemas socioambientais na Amazônia, vivenciados sobretudo pelos seus habitantes mais antigos, que possuem modos de vida e culturas muito diferentes das pessoas que ocupam os cargos governamentais e tomam as decisões que afetam suas vidas.
Por via prazerosa, o homem da Amazônia percorre pacientemente as inúmeras curvas dos rios, ultrapassando a solidão de suas várzeas pouco povoadas e plenas de incontáveis tonalidades de verdes, da linha do horizonte que parece confinar com o eterno, da grandeza que envolve o espírito numa sensação de estar diante de algo sublime... (Loureiro, 1995, p. 59).
Nenhum comentário:
Postar um comentário