sexta-feira, 24 de maio de 2013

Fragmentos da Conclusão "Veias Abertas da América Latina" Eduardo Galeano

A nossa história não tem sido uma continua experiência de mutilação e desintegração

disfarçada de desenvolvimento? Séculos atrás a conquista arrasou os solos para implantar

cultivos de exportação e aniquilou populações indígenas no garimpo das covas e

beiras de rio para satisfazer a demanda de prata e ouro de ultramar. A alimentação da

população pré-colombiana, que pode sobreviver ao extermínio, piorou com o progresso

alheio. Nos nossos dias, o povo do Peru produz farinha de peixe, muito rica em proteínas,

para as vacas dos Estados Unidos e da Europa, mas as proteínas brilham pela sua ausência

na dieta da maioria dos peruanos. A filial da Volkswagen na Suíça planta uma árvore por

automóvel que vende - gentileza ecológica - enquanto no Brasil, ao mesmo tempo, a filial

da Volkswagen arrasa centenas de hectares de matas que dedicará à produção intensiva

de carne de exportação. 0 povo brasileiro vende cada vez mais carne ao estrangeiro e é rara

a vez que pode comer carne. Não faz muito tempo que Darcy Ribeiro, numa conversa, me

disse que uma república volkswagen não é diferente, no que é essencial, de uma república

bananeira. Por dólar gerado pela exportação de bananas, apenas onze centavos ficam no
 
país produtor, e desses onze centavos, uma parte insignificante chega aos trabalhadores

das plantações. As proporções serão alteradas quando um país latino-americano exporta

automóveis?

Os navios negreiros já não cruzam mais o oceano. Agora, os traficantes de escravos operam a

partir do Ministério do Trabalho. Salários africanos, preços europeus. O que são os golpes de

Estado na América Latina senão que sucessivos episódios de uma guerra de rapina? As

flamantes ditaduras, de imediato, convidam as empresas estrangeiras para explorar a

mão-de-obra local abundante e barata. O crédito é ilimitado, as isenções de impostos e os

recursos naturais ficam ao alcance da mão.

Postula a si próprio como destino e gostaria de confundir-se com a eternidade. Toda memória é
 
subversiva porque é diferente. Todo projeto de futuro também. Obrigam zumbi a comer sem
 
sal: o sal, perigoso, poderia despertá-lo. O sistema encontra seu paradigma na imutável
 
sociedade das formigas. Por isto se dá mal com a história dos homens: pelo muito que esta
 
muda. E porque, na história dos homens, cada ato de destruição encontra sua resposta - cedo
 
ou tarde - num ato de criação.

EDUARDO GALEANO
Calella, Barcelona,
abril de 1978.




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