quinta-feira, 5 de junho de 2014

Filosofia política em Platão

Resenha do Político de Platão


Político é um diálogo desafiador de Platão pois envolve mitos e diversas metáforas. Trata-se da continuação de O Sofista, mas é possível compreender essa obra ( Político) mesmo sem ter lido O Sofista. Participam desse diálogo Sócrates, Teodoro, o estrangeiro e o jovem Sócrates. Esses dois últimos dominam o diálogo. Podemos dizer que o tema principal é determinar como seria o governante ideal da Pólis. O Estrangeiro determina que o Rei será mais teórico ( gnostikes) do que prático, e que durante o diálogo serão unificados o conhecimento político e o homem político, ou seja, o conhecimento régio e o Rei. Farei uma exposição do mito dos ciclos cósmicos com a ajuda do filósofo Eric Voegelin, que escreveu sobre o Político em seu livro Ordem e História-Platão e Aristóteles.
O mito apresentado pelo Estrangeiro fala de Cronos e seu reinado. Durante um período, diz Platão, o próprio Deus acompanha o universo, e depois de um certo período em que os círculos completam a medida do tempo, o deus deixa o universo por iniciativa própria. Isso faz com que  o movimento seja feito no sentido contrário. Platão faz uma observação que a imutabilidade absoluta faz parte das coisas divinas, por isso o corpo não faz parte dessa classe de coisas. Em um determinado momento o universo é movido circularmente pelo deus. Em uma parte  a causa divina é extrínseca, quando lhe é retransmitida a vida e a imortalidade a partir do Demiurgo. Em outro momento o universo é deixado por conta de si mesmo.Diz Eric Voegelin:” a alternância de movimento afeta não só o domínio da natureza, mas também o domínio do homem na sociedade. No primeiro ciclo, o próprio deus supervisiona o Cosmos, enquanto as várias partes do Cosmos eram colocadas sob a supervisão de divindades exteriores.” Nesse período, diz ainda Voegelin, “o próprio Deus era o pastor dos homens; nessa época não havia governo ( poiliteia).” Os homens tudo possuíam nessa era de Cronos.
O Estrangeiro fala sobre as mudanças que ocorrem no universo. Em algumas épocas grandes destruições ocorrem aos seres vivos e apenas uma parte dos homens sobrevive. Isso foi causado, segundo Voegelin, pela introdução do elemento corporal na ordem cósmica.  Isso produziu uma mudança na natureza pois os homens pararam de envelhecer e inverteram o processo, ficando cada vez mais jovens com o passar do tempo. Os homens nessa época não se reproduziam pelo sexo, mas nasciam da terra. O Estrangeiro lamenta que o relato dos velhos não sejam mais levados a sério. Os mortos voltam à vida, pois o processo de nascimento é invertido da mesma forma que o movimento circular do universo. Só haveria uma exceção que o deus reservou para um outro destino: essa exceção seriam os filósofos. Nesse período do reinado de Cronos, o governo foi dividido entre os deuses e os seres vivos eram governados pelos daimons, de maneira que não eram selvagens e nem se devoravam uns aos outros.
O Estrangeiro pergunta ao jovem Sócrates qual era a melhor época para se viver: a de Cronos ou a atual de Zeus? O jovem Sócrates pede uma explicação pois não sabe responder. O Estrangeiro diz que supostamente os homens nesse tempo aproveitavam todas as oportunidades para se ocuparem da filosofia e aprenderem com os animais, uma vez que nessa época essa conversação era possível. Ora, chegou o momento em que o ciclo de renascimentos chegou ao fim e que o Timoneiro  largou o timão e se retirou para o posto de vigia. A era dos homens nascidos da terra chegou ao fim. O universo passou a se mover inversamente. Houve então uma grande colisão no universo que produziu um aniquilamento dos seres vivos. Depois de um certo tempo o universo se estabilizou e pôde recordar os ensinamentos do artífice e pai, no começo de maneira mais exata, mas depois de uma maneira negligente pela introdução do elemento corpóreo em sua composição.
Então nesse momento, o homem foi abandonado à própria sorte, e ficou exposto às feras selvagens e teve que aprender a cuidar de si. Como escreve Voegelin, Platão rejeita como mito as fábulas dos deuses como Prometeu que teriam ajudado os homens em invenções que fariam avançar a civilização.Enquanto o timoneiro governava, ele produziu  poucos males e grandes bens, diz o Estrangeiro. Nesse momento o mito é encerrado pelo fato do Estrangeiro dizer que é suficiente a apresentação do governante régio. O mito da Idade do Ouro é rejeitado porque implica uma renúncia à consciência filosófica, diz Voegelin.
Platão sugere que a ordem será restaurada pelo restaurador Régio, o que se assemelha muito com a concepção de Joaquim de Fiore do dux. No entanto, como observou Voegelin, “o dux surge de uma tensão entre uma civilização em crescimento e uma ideia de declínio, enquanto o governante platônico surge da tensão entre um declínio político real e uma nova substância espiritual.” A ideia de Joaquim de Fiore de uma realização plena com representantes do orgulho civilizacional foi realizada pelos progressistas do século XVIII, por Comte, Marx, Mill, Lenin e Hitler, escreve Voegelin, enquanto a realização platônica é feita com uma crescente ordenação espiritual de um mundo em desordem por meio da figura de Alexandre, da ordem imperial romana e de Cristo ( Eric Voegelin, Ordem e História, Volume III).
Político pretende explicar qual será a personalidade e as qualidades que o governante régio deverá possuir. No final do capítulo que trata do Político, Voegelin escreveu essas palavras:” O governante régio é o mediador enter a realidade divina da Ideia e as pessoas; ele é o Zeus que rejuvenesce a ordem que envelheceu; é o médico que cura as almas fazendo-as renascer no meio celestial ( en daimonio genei); e, ao promover esse renascimento das almas, ele proporciona à pólis uma nova substância comunitária ( homonoia) espiritual. É supérfluo destacar de forma detalhada o paralelo entre essa evocação platônica e a concepção paulina da comunidade cristã, unida num só corpo místico por meio do renascimento no Espírito de Cristo, que deriva a sua coerência da harmonia (homonoia) de seus membros e supera a diferença de talentos e caracteres pelo agape. Em vez disso, é necessário enfatizar a diferença fundamental de que o renascimento platônico da comunidade não é a salvação da humanidade, mas um retorno à juventude do cosmos que será seguido, de acordo com a lei inescrutável de Heimarmene, por um novo declínio”. ( Eric Voegelin, Ordem e História, Volume III)